"Sonhos Roubados"

Cinema Brasileiro de Quinta tão especial que rompe com o meu afastamento devido a alguns trabalhos (que em breve divulgarei aqui) do blog.

Mas tem certas coisas que não resistem ao tempo, como a memória, os sentimentos ou o que vemos. E o que vemos no cinema reflete nos sentimentos e memórias. E desde os anos 50, com grande força nos 60, vemos na tela do cinema imagens que nos remetem a memórias sociais e sentimentos que beiram o incômodo. A angústia de ver certas imagens sentado numa poltrona. Sem ligar para o que ocorre.

"Sonhos Roubados" é um filme que não dá para assistir sem bater essa angústia.


O filme, baseado no livro "As meninas da esquina" de Eliane Trindade, é uma história densa de amizade. "As histórias no livro são separadas e muito densas, de lugares diferentes do país.", disse a diretora Sandra Werneck (Pequeno dicionário amoroso, Cazuza, Amores Possíveis). "Criar uma relação de amizade entre as três ajuda no desenvolvimento dramático sem cair no melodrama", completou.

O filme conta a história de Jéssica (brilhantemente vivida por Nanda Costa), Sabrina (Kika Farias) e Daiane (Amanda Diniz). Jéssica divide seu tempo em cuidar da filha fruto de um relacionamento com um jovem evangélico, do seu avô alcoolatra (Nelson Xavier, muito bem) e de arrumar um dinheiro para manter o pouco que a casa tem e comprar coisas bobas que qualquer um quer. E para isso, ela se prostitui, assim como Sabrina, uma garota sonhadora e apaixonada. Daiane, a mais nova, começa a seguir os passos das amigas, ao tempo que sofre a rejeição do pai (Ângelo Antônio) e a perseguição de um tio pedófilo (Daniel Dantas).

As histórias, tensas e densas, vão se tornando cada vez mais íntimas das personagens. Porém sempre com uma esperança, nesses sonhos. "Mesmo que roubados esses sonhos sempre vão existir", disse a diretora. O filme, com direção precisa, bela trilha sonora, a sempre maravilhosa fotografia do mestre Walter Carvalho que deixa mais belas cenas complicadas, como na chuva, na piscina e com pouca iluminação. A preparação de atores é ótima e foi destacada por Kika Farias. "Todos nos deixaram muito calmos para as cenas de nudez. E eu sempre pensava que era só eu e ele, que não tinha equipe, que não tinha várias pessoas me assistindo por aí..." disse ela, arrancando risos da platéia.


Mas o que mais me chamou atenção no longa foi 1) que apesar de tratar da periferia do Rio, o cenário é muito neutro. Poderia ocorrer em qualquer outro bairro do país com problemas sociais, mesmo na classe média - talvez. E segundo a diretora "se existe garotas sofrendo com os mesmo dilemas, na periferia... sei lá, da Ucrânia... isso vai ocorrer". E 2) o realismo simples que o filme tem. É quase documental (A experiência da diretora com o gênero talvez seja a explicação). Sem um julgamento moral, deixando as decisões para o espectador. O que é muito válido. Sandra Werneck ainda diz: "Os moradores (da comunidade de Ramos, onde o filme foi rodado) se identificou com a realidade mostrada, com o contexto. Não tanto com a trama".

O filme - vencedor do Festival do Rio 2009 nas categorias de Melhor Filme (Júri Popular) e Melhor Atriz - é um retrato que o Brasil finge não ver, ou simplesmente ignora. Indico muito.

O filme entra em cartaz dia 23/04.





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